Neste momento
Quem vê por fora diz que pareço menos; quem vê por dentro diz o mesmo. A mim parecem-me 145.
Tem tudo a ver com desencanto. Com sentir um nada-de-novo constante, um dèjá vu permanente. Há bastante tempo que ando em círculos, uma espiral que nem desce nem sobe.
Não estou a mandar as culpas para o mundo; ele tem costas largas mas não me serve de nada carregá-lo, culpando-o pelo meu estado semi-vegetativo. De facto, de fora não tem vindo nada de original, nem ideias nem pessoas nem pessoas com ideias mas isto não me dá o direito de culpá-las por ser assim. Quem me diz a mim que não serei eu que cheguei ao meu limite, que não sou capaz de ver mais?
De qualquer forma esta é uma dúvida que não me atormenta. É indiferente. O que sei, o que acuso em mim, é talvez ter vivido depressa demais, intensamente, a 200 à hora quer quando me virava para fora quer interiormente e ter chegado agora a um ponto em que seria suposto eu morrer. Pois se o que me resta é circular novamente, num giro que me trás sempre onde estava… o que falta mais? Para mim, nada.
E não, não me sinto depressivo nem nada que se pareça; pelo contrário, a ideia de morrer traz-me uma paz, a tranquilidade que se sente quando nos deitamos cansados e o sono começa a chegar.
E também não, não acredito em vida depois da morte. Sou um descrente profissional. Para mim, a vida só faz sentido havendo morte e esta terá de ser “a sério”, terá de ser um ponto final numa existência. E isto… atrai-me tanto!
Assim sendo, se não fosse qualquer coisa muito especial de que falarei à frente, restar-me-iam duas alternativas: que o meu corpo tivesse acompanhado a estagnação da minha mente – o que não aconteceu uma vez que tenho saúde de ferro – ou o suicídio. E esta é outra ideia que me agrada sobremaneira. Que me atrai, que me fascina! Não tem volta, é certo, mas eu não quero voltar!
Voltar para quê? Para um emprego de que não gosto? Para a constante luta pela sobrevivência? Pelo confortozinho da TV ou do frigorífico novo que faz tudo? Ou do juntar dinheiro para as férias? De tudo isto estou farto, cansado.
Num outro patamar, voltar pelo amor? Quase de certeza não voltarei a ter nada parecido com o que tive. O maior que vivi foi de tal forma intenso… tão poderoso que dificilmente voltará a acontecer. De resto, sexo avulso ou na melhor das hipóteses, amores ligeiros?
Nas artes e nas filosofias: continuo a achar piada às maneiras novas que se arranjam para dizer coisas velhas. Mas, apenas isso.
Ok, concedo que haja uma coisa: nunca fui rico. Isto é, podre de rico! Só que, não só não quero fazer disso objectivo de vida como também pesa o facto de, para me tornar milionário, ou me saía um daqueles grandes jackpots, ou assaltava um banco (ou vários) ou teria de enveredar por negócios onde para se ter êxito, forçosamente se tem de enganar, iludir e até trair. Fora de questão.
Sobre a do árabe: já plantei uma árvore, escrevi um livro e tive uma filha. Está cumprida a minha parte.
Mas é aqui que há a tal “pequena” coisa que impede a minha vida de dar o seu próximo e lógico passo, ou seja, morrer. Não posso. Quer por dever, quer sobretudo por amor eu tenho de cá estar enquanto o meu corpo me deixar estar. Há um ser (maravilhoso, por sinal) que nasceu de mim e cabe-me acompanhá-lo em tudo o que puder; segurá-la antes de cair, se tal me for possível ou antever as quedas tudo fazendo para que elas não aconteçam; dar-lhe tudo o que sei para que tenha defesas no enfrentar a vida que irá ter e que não será fácil (talvez que os únicos a ter vidas fáceis sejam aqueles que não vivam…) e pôr nela todo o carinho que existe em mim transformado seja em abraços, beijos ou num simples dar a mão – este é o meu papel no mundo, hoje.
Deve ser realçado que sentindo-me eu tão em paz e determinado à não-existência seja o Amor que me mantenha a existência.
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