Christopher, um miúdo de 15 anos, autista, conta:
«Na escola, a Professora Forbes disse que quando a mãe morreu, foi para o Céu. Isto porque a Professora Forbes é muito velha e acredita no céu. Ela usa calças de fato-de-treino, porque diz que são mais confortáveis do que as calças normais, e uma das pernas dela é ligeiramente mais curta do que a outra por causa de um acidente de motocicleta.
Mas, quando a mãe morreu, ela não foi para o Céu, porque o Céu não existe.
O marido da Professora Forbes é um vigário, chamdo Reverendo Peters, e às vezes ele vem à nossa escola falar connosco, e eu perguntei-lhe onde era o Céu e ele Respondeu: – Não fica no nosso universo. É um outro tipo de lugar completamente diferente.
Às vezes, quando está a pensar, o Reverendo Peters faz uns estalidos com a língua. Ele fuma cigarros, que se podem cheirar no hálito dele, e eu não gosto disso.
Eu disse que não havia nada fora do universo e que não existia outro tipo de lugar completamente diferente. Só que pode existir, se atravessarmos um buraco negro, mas um buraco negro é aquilo que se chama uma
Singularidade, o significa que é impossível descobrir o que está do outro lado, porque a gravidade de um buraco negro é tão forte que até as ondas electromagnéticas, como a luz, não conseguem sair dele, e é através das ondas electromagnéticas que nós obtemos informações acerca das coisas que estão muito longe. E se o Céu estivesse do outro lado de um buraco negro, os mortos teriam de ser disparados para o espaço dentro de foguetões, para lá chegarem, e isso não acontece, senão as pessoas dariam por isso.
Acho que as pessoas acreditam no Céu porque não gostam da ideia de morrer, porque querem continuar a viver e não gostam de pensar que outras pessoas irão morar na sua casa e que irão deitar fora as suas coisas.
O Reverendo Peters disse: – Bem, quando eu digo que o Céu é fora do universo, na verdade isso é só uma maneira de falar. Acho que aquilo que realmente significa é que elas estão com Deus.
E eu ripostei: – Mas onde é que está Deus?
E o Reverendo Peters disse que devíamos falar acerca disto noutro dia, quando ele estivesse com mais tempo.
Aquilo que realmente acontece, quando morremos, é que o nosso cérebro pára de funcionar e o nosso corpo apodrece, como aconteceu com o
Rabbit, quando ele morreu e nós o enterrámos no fundo do jardim. Todas as moléculas dele dividiram-se em outras moléculas, foram para debaixo da terra, foram comidas pelos vermes, foram absorvidas pelas plantas e, se daqui a 10 anos escavarmos no mesmo sítio, não restará nade dele a não ser o esqueleto. E daqui a 1000 anos até o esqueleto terá desaparecido. Mas não faz mal, porque agora ele faz parte das flores, da macieira e do espinheiro-alvar.
Quando as pessoas morrem, elas são muitas vezes colocadas dentro de caixões, o que significa que, durante muito tempo, não se misturam com a terra, até a madeira do caixão apodrecer.
Mas a mãe foi cremada. Isto significa que foi colocada dentro de um caixão, queimada, pulverizada e transformada em cinzas e em fumo. Eu não sei o que acontece às cinzas e não pude perguntar no crematório, porque não fui ao funeral. Mas o fumo sai pela chaminé para o ar e às vezes eu olho para o céu e penso que existem moléculas da mãe lá em cima, ou nas nuvens por cima de África ou do Antárctico, ou a caírem sob a forma de chuva, nas florestas tropicais do Brasil, ou algures, sob a forma de neve.»
Em «The Curious Incident of the Dog in the Night-Time»(O estranho caso do cão morto) de Mark Haddon