Atendi:
– Está, sim?
Uma voz feminina pergunta-me:
– Boa tarde. É o Sr. … … …?
Respondo:
– Sim, eu mesmo.
Pergunta ela:
– Pode dispensar-me uns minutos do seu tempo? Prometo ser rápida.
“A uma voz como a tua eu dispenso todos os minutos que tiver.” Não lho disse mas pensei. Em vez, respondo-lhe deixando passar o meu agrado na resposta:
– Sim, diga lá o que me quer vender…
Deu uma pequena risada, recompôs-se e começou a debitar alguma coisa previamente decorada.
Fiquei a ouvi-la sem a ouvir mas ao mesmo tempo tentando ouvir para além do que ela dizia.
A tonalidade era agradabilíssima. Quente sem ser mole, sem se arrastar, mas ao mesmo tempo, com um tempo de arrasto suficiente para revelar uma sensualidade serena. Firme, sem que nessa firmeza houvesse prepotência. Segura e insegura ao mesmo tempo; não era nenhuma criança e certamente já teria passado alguns momentos menos bons. Tenho para comigo que, infelizmente, muitas vezes são esses indesejados acontecimentos que nos dão traquejo e estaleca mas, também por os termos vivido, sabemos o quão vulneráveis podemos ser. Daí a segurança e insegurança.
A não hesitação quando utilizou palavras menos fáceis e comuns, mesmo descontando o estar numa função profissional, deixou-me convicto de ser alguém para quem o uso da palavra não era problema equacionável e, embora não sendo eu pessoa que dê um desmesurado valor cultural ao verbalismo, apraz-me sempre ouvir quem sabe falar.
Seria ela mãe? Não me era possível saber mas, se o fosse, tenho a certeza que a ternura existente naquela voz se faria passar por completo para os rebentos. Muito, muito afecto!
A gargalhada que dera à minha resposta sobre a compra, de tão rápida que fora, revelara sentido de humor - sim, sem dúvida - mas mais do que isso: na rapidez se vê a inteligência e ela fora instantânea.
Continuava a ouvi-la e a navegar nos meus pensamentos: até que ponto se pode conhecer alguém apenas pela voz? Realmente não era importante… ou melhor, não era fundamental que eu tivesse acertado em tudo o que pensava porque eu sabia que a maior parte, e talvez o mais importante, estava certo. Certezas que nascem em nós sem que possamos, pelo menos no imediato, racionalizar.
E havia outra certeza: eu queria conhecer a dona daquela voz.
– Sr. … …? – ela interrompeu-me as divagações. – Ainda está aí?
– Estou pois! – como não haveria de estar?
– E então, a sua resposta é…?
– Hum? Ah sim, eu compro. Claro que compro!