"Cálice", que também se lê "Cale-se" ou ainda... "continuemos assim, continuemos"!
Decorria o ano de 1976, em plena ditadura militar no Brasil, quando Chico Buarque fez esta canção.
Agora aqui, neste tempo que corre, dou por mim a pensar se não estaremos nós, no mundo ocidental, igualmente a viver dias como os de então. Se é certo que não há ninguém a bater-nos nem a prender-nos, por vezes parece-me que somos nós próprios a fazermos esse serviço. Como? Pela inércia. Inércia de pensamento, de acções, de manifesto. Claro que votamos livremente, que podemos dizer o que quisermos, que podemos achincalhar os governos... mas será que não está a faltar nada? Não estaremos nós tão ditatorialmente escravizados pelo Trabalho-Casa-TV-Cama diários quanto o estavam os viventes da ditadura brasileira de 76? Será que as nossas preocupações mesquinhas não estarão de igual modo a amordaçar o que há de melhor em nós?
Como "diz" Sean Penn em «Into The Wild» talvez seja hora de revermos alguns dos valores (valores?!) pelos quais vivemos.
A não ser que prefiramos continuar no sofá, desligados, claro.
(Noutros tempos dir-se-ia com toda a propriedade que estaríamos a estrumar o chão para que aparecesse um ditadorzinho emergente e nos convencesse que o ser humano não merece a liberdade.)
Para mim, o poema e canção que aqui deixo, são brutalmente actuais.
Cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça
Chico Buarque de Holanda
Agora aqui, neste tempo que corre, dou por mim a pensar se não estaremos nós, no mundo ocidental, igualmente a viver dias como os de então. Se é certo que não há ninguém a bater-nos nem a prender-nos, por vezes parece-me que somos nós próprios a fazermos esse serviço. Como? Pela inércia. Inércia de pensamento, de acções, de manifesto. Claro que votamos livremente, que podemos dizer o que quisermos, que podemos achincalhar os governos... mas será que não está a faltar nada? Não estaremos nós tão ditatorialmente escravizados pelo Trabalho-Casa-TV-Cama diários quanto o estavam os viventes da ditadura brasileira de 76? Será que as nossas preocupações mesquinhas não estarão de igual modo a amordaçar o que há de melhor em nós?
Como "diz" Sean Penn em «Into The Wild» talvez seja hora de revermos alguns dos valores (valores?!) pelos quais vivemos.
A não ser que prefiramos continuar no sofá, desligados, claro.
(Noutros tempos dir-se-ia com toda a propriedade que estaríamos a estrumar o chão para que aparecesse um ditadorzinho emergente e nos convencesse que o ser humano não merece a liberdade.)
Para mim, o poema e canção que aqui deixo, são brutalmente actuais.
Cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça
Chico Buarque de Holanda